Quem é a figura do artista? Ele é aquele que cria a beleza? Ou aquele que se permite enxergar a beleza nas coisas que o cotidiano torna prosaico? Talvez seja uma redescoberta de si mesmo e a expressão dessas novas perspectivas para o outro. Contudo, por vezes, o artista precisa aprender a lidar com a realidade e todos os infortúnios que emergem da convivência em sociedade.
Em Poesia (Shi, 2011, Chang-dong Lee), conta-se a história de Mija, uma senhora que ganha a vida como cuidadora de um idoso e que passa os dias cuidando do seu neto e que descobre na poesia uma forma de (re)conhecer o mundo que lhe passava despercebido de uma nova forma. Em um curso, ela recebe a incumbência de escrever, em um mês, um poema sobre algum tema que, de alguma forma, lhe toque profundamente. Em paralelo, um corpo de uma garota de um colégio local é descoberto em um lago e o grupo de seis amigos do qual seu neto faz parte torna-se o principal suspeito de terem estuprado a garota por meses, até ela ter se suicidado.
A fim de conquistar seu espectador para aquele universo extremamente humano, em que as ações se alternam em uma afirmação e uma negação de sua humanidade, Lee orquestra com destreza todos os elementos que tem a seu dispor. Com um roteiro que investe na investigação das nuances de suas personagens, o diretor conduz seu espectador como se segurasse sua mão e lhe convidasse para ver os recônditos mais íntimos dos seres humanos, por mais tristes e decepcionantes que pudessem ser os atos que eles estivessem cometendo. Da mesma forma, a trilha sonora surge de forma singela e pontua esse caminho, assim como a fotografia enfatiza o colorido e a beleza do mundo e as texturas de seres humanos que precisam extenuar suas forças para encontrar novamente essa beleza. Mesmo com essa carga de elementos à seu favor, Lee não enfatiza excessivamente nenhum deles, mas os dispõe a serviço da história que está contando, deixando o espaço livre para que Jeong-hee Yoon cativar seu espectador com sua imensa sensibilidade e humanidade. A talentosa atriz consegue demonstrar a simplicidade daquela senhora e sua preocupação em abrir seus olhos e se permitir a construção de um poema, por mais simples que ele possa ser.
A beleza das vidas e mortes - reais ou simbólicas - de Mija e de Agnes, a menina suicida, reside no potencial de tudo o que poderiam ser e que, pelo sufocar da vida, terminou não se cumprindo. Por mais que Mija concluísse seu poema, será que ela poderia encontrar novamente a beleza, dentro de si ou no mundo? Onde começa e pode terminar a nossa sensibilidade diante daqueles ou daquilo que acreditamos amar? O que nos torna inocentes ou culpados diante de um universo que parece, por vezes, ter nos criado para estar à deriva dos nossos sentimentos e atitudes, sem uma possibilidade de redenção?
Nota: 10.0
A sensibilidade é sempre um ponto forte nos dramas orientais.
ResponderExcluirNão conhecia este filme, muito boa dica.
Abraço
Eu assisti esse filme no Reserva Cultural da Paulista que filme concordo com texto em tudo deixando a pergunta a tristeza pode ser bela neste mundo atual ?
ResponderExcluirOi, Hugo. Realmente, eu adorei o filme. Eles conseguem ser bastante sensíveis falando muito pouco. Enquanto, por vezes, aqui exploramos em excesso a palavra, os orientais falam pouco e conseguem dizer tudo o que desejam, ou até mais. Vale a pena.
ResponderExcluirOi, Marcelo. Aqui em Recife, tá rolando no Cinema da Fundação, um dos poucos cinemas alternativos daqui. E, realmente, é uma pergunta a ser refletida até como cinéfilos mesmo: o quanto perceber a tristeza do outro ou até a nossa mesmo pode ser uma experiência estética?
ResponderExcluirAbs